FRAGMENTOS
DE UM DESEJO
Parada
em pé no meio da sala, Juliana Newman olhou à sua volta, a sala era confortável
e muito limpa, visualizou mentalmente os outros cômodos de seu apartamento, e
todos estavam vazios e pensou na solidão que sentia. O que levava uma mulher de
40 anos, bonita, lindos cabelos loiros num tom dourado, cobrindo seus ombros,
com um corpo perfeito e bem-sucedida profissionalmente, a questionar sua vida?
Estava infeliz e não sabia o que fazer. Recusava todos os convites para festas
e jantares e ignorava os galanteios. Evitava reuniões de trabalho em
restaurantes, gostava de resolver no escritório, justamente para não dar margem
a nenhuma investida de algum cliente mais ousado.
Ela
vivia sozinha, seus pais eram falecidos e não tinha irmãos, seus únicos
parentes, dois tios, irmãos de seu pai, residiam na Inglaterra e raramente se
visitavam. Mas não era essa solidão que a perturbava, mas a vontade de ficar
sozinha, de excluir todos de sua vida, de se isolar. Então se recolhia ao seu
apartamento, o seu mundo, e hoje, sem saber o motivo, estava se sentindo muito
sozinha e triste. Lembrou que podia tirar férias no escritório, e que dependia
do juiz marcar a audiência no processo que defendia e se tudo corresse bem, em
30 dias poderia viajar, quem sabe encontraria as respostas.
Animou-se
com a ideia das férias e foi para seu quarto. Colocou a bolsa em cima de uma
poltrona e foi separar uma roupa confortável para vestir depois do banho, um
short preto e uma regata branca. Foi até um espelho para tirar brincos e
pulseiras. Ficou olhando para seu corpo e começou a se despir, lentamente,
deixou escorregar a saia, despiu a blusa, ficando de calcinha e sutiã, olhou
atentamente para seu corpo perfeito. Gostava de alimentação saudável e
ginástica aeróbica, também nadava três vezes por semana durante duas horas,
estava pensando em trocar a ginástica por natação, que lhe dava mais prazer e a
deixava mais relaxada, talvez pela exigência de maior esforço e energia.
Passou
as duas mãos pelo corpo suavemente, acariciando-se. E de repente sua fisionomia
se transformou, olhou outra vez para o rosto e perguntou para seu reflexo no
espelho:
– De que adianta este corpo sensual e bonito,
se não encontro ninguém que me agrade, ninguém para vir aqui me fazer gritar de
prazer? Alguém que me jogue na cama e me ame loucamente? Não quero mais brincar
sozinha ou com aquele vibrador frio, sem vida. Quero alguém, eu preciso de
alguém. Depois do desabafo, sentou-se no chão ainda em frente ao espelho e
continuou se analisando... Por fim levantou-se e seguiu para o banheiro. Após o
relaxante banho, providenciou o jantar, e da sua geladeira abarrotada de
frutas, verduras e legumes, tirou um peixe grelhado colocando para aquecer
enquanto preparava uma salada. Ao término do jantar, ligou o notebook e decidiu
passar o resto da noite passeando no Facebook e selecionar algumas músicas no
Youtube.
Respondeu
alguns e-mails, trocou informações com amigos e aleatoriamente foi buscando
páginas, saiu do Facebook e foi para o Youtube selecionar links musicais.
De
repente clicou errado e entrou um link que não fora selecionado, estava para
sair quando sentiu um arrepio percorrer seu corpo e ficou hipnotizada ouvindo a
música.
A
música era perturbadora e envolvente, e de repente uma voz suave cantando,
falava de amor, de não ter um amor, de solidão, parecia mais um lamento do que
uma canção, e uma imensa vontade de abraçar, confortar quem murmurava aquela
solidão aterradora, fazendo-a esquecer da sua própria solidão. Ao término da
música, procurou, mexeu e não encontrou o nome do compositor ou do cantor,
então voltou a ouvir, e mais uma vez seu corpo ficou todo eriçado e impaciente
e precisava saber o que era aquilo, de quem era a linda música, de quem era a
voz sensual.
Salvou
o link e decidiu deixar para o dia seguinte, que era sábado e não precisaria
trabalhar, então teria tempo para desvendar o mistério.
Desligou
o notebook e foi dormir. Tentou, mas não conseguia parar de pensar nas
sensações que seu corpo sentiu ao ouvir aquela música.
Pela
manhã, após o café, voltou para o computador e se dedicou a uma busca, nada
encontrando. Lembrou-se de um amigo que era DJ, o Rick e procurou por ele no
Facebook e por sorte estava online. Enviou o link para ele, que quando escutou
a voz, já sabia de quem se tratava:
– Este é Nicholas Ranagan, é
americano, parece que vive em Los Angeles, não é profissional, compõe a alguns
anos, mas diz que não faz música para ganhar dinheiro, faz porque ama música, é
um cara esquisitão, veja uma matéria com ele na revista Rolling Stones
de março. Veja na internet.
Juliana
se despediu do amigo e foi procurar o site da revista, buscando a edição de
março passado. Estava impaciente e o computador parecia não andar. Encontrou a
revista, e foi procurando a matéria, nem tinha destaque na capa, e ficou
paralisada. Três fotografias, a maior delas mostrava um homem vestido com
simplicidade, bermuda, chinelos e camiseta de surfista, pele bronzeada, cabelo
castanho liso batendo no ombro, olhos azuis, a boca com os lábios entreabertos
que fez com que ela passasse a língua pelos próprios lábios, seu corpo sentia
uma força vindo daquele homem, era uma vontade de entrar na tela e ir lá beijar
aquela boca... Ficou ofegante e quando percebeu estava se acariciando e
empurrou a cadeira para trás, para tentar se recompor.
Refeita
do arrebatamento, tratou de ler a matéria para obter mais informações a
respeito do homem encantador que a deixou maluca... Tinha 42 anos, era solteiro
e vivia sozinho, sua família era do Colorado e não se davam muito bem, não
mencionava o motivo. Havia recebido uma herança da avó, que lhe permitiu
comprar uma casa e compor suas músicas, ocasionalmente vendia os direitos para
alguma gravadora, mas não tinha interesse em comercializar, suas obras como ele
chamava. Continuou lendo a matéria e se encantando cada vez mais com aquele
homem, até que seus olhos se depararam com o link dele no Facebook, clicando em
cima.
Olhava
avidamente enquanto a página abria e uma fotografia daquele monumento estampava
a tela de seu notebook, a boca parecia mais convidativa. Passou a língua pelos
lábios, estava ofegante. Eenviou uma solicitação de amizade. Ficou assustada
como uma criança, com as duas mãos levantadas acima do teclado, com medo de
alguma reação involuntária. Ele confirmou a amizade e entrou no chat. Juliana
foi logo falando da música, para se distrair do que seu corpo sentia cada vez
que olhava aquela pequena fotografia na caixa do chat. Nicholas, apesar de
viver recluso era bem simpático e estava com vontade de conversar, e foi
perguntando o que fazia, o que gostava, falando dele, de suas músicas, que
morava em Venice Beach, que Los Angeles era muito agitada e queria mar e
calmaria. Ela tremia cada vez que precisava digitar, tinha medo de escrever o
que não devia e assustá-lo. Ficaram trocando informações por umas duas horas,
marcando novo bate-papo para a noite. Ela desligou e continuou sentada de olhos
fechados, curtindo as sensações em seu corpo. Levantou e correu para o banheiro
abrindo o chuveiro na água fria e entrou embaixo ainda vestida, sentia seu
corpo queimando. E começou a rir, rir alto como a muito tempo não fazia, estava
se sentindo muito feliz.
A
tarde passou voando, ocupou-se com a casa, precisava fazer compras, mas não
pretendia sair, e pediu por telefone. Jantou, deixou tudo limpo e pegando o
notebook, foi para o sofá aguardar por ele. Pontualmente Nicholas entrou e os
dois começaram a conversar, durante umas quatro horas. E assim, durante 20
dias, todos os dias eles se falavam, ele contava de sua vida e ela também.
Juliana estava cada vez mais envolvida, e precisava se controlar, tinha ímpetos
de entrar na tela do note e agarrar aquele homem que a deixara louca de desejo.
E ele não falava nada, sempre gentil e educado. Juliana não aguentava mais,
queria mais, queria ele e que ele também a quisesse, e uma noite, decidiu
falar. Resolveu tomar coragem e falar o que sentia por ele.
No
horário marcado Nicholas entra falando da praia, ela impaciente, e ele dizia
que apresentava suas músicas na rua, e adorava. E ela não aguentou mais e
disse:
– Não é nada, não é ninguém e fica me olhando
com esses lindos olhos e suas músicas tocando, faz ideia do que provocou?
– O que eu provoquei?
- Não vai nos levar a lugar
algum... Ainda bem que estamos distantes... Eu... Eu desejo você!
– Desejo? Eu provoquei isto?
– Sim... E nunca mais vou falar a respeito é
perturbador e não vou desejar o que não vou ter... O que não posso ter.
– Você me deseja?
– Você provocou um turbilhão...
– Dentro de você?
– Não, não dentro de mim.
– Claro que foi dentro de você.
– Não sabe nada de mim... O que eu penso e o
que eu sinto.
– O que sente?
– Eu... O que eu sinto dentro de mim, neste
momento, ou o que eu penso você nem faz ideia.
– Você parece uma menina.
– O que tem a ver uma menina, com o desejo de
uma mulher por um homem que ela não conhece, não escuta sua voz, não sabe nada
dele? Desejo pelo mundo sombrio e tempestuoso que tem dentro dele, que gostaria
de mergulhar de corpo inteiro neste mistério.
– Querida, não chore...
– Não estou chorando... não tem lágrima, só
tem pupila dilatada...
– Pupila dilatada?
– Viu, não sabe nada... Desejo intenso fazem
as pupilas dilatarem.
– Como você faz? Com o desejo que sente?
– Sempre se pode dar um jeito... Mas a vontade
de tocar, beijar, sentir a pele, esta não tem jeito. Desejo a gente precisa
saciar.
– Puxa... Não sei o que dizer,
estamos tão distantes... Você sente desejo.
– Nicholas, eu sinto desejo por você, estou
louca por você, não por sexo, quero você. Olha é melhor esquecer, nunca vai dar
certo. Vou desligar agora. E Juliana arrasada desliga o note, deixando-o lá.
Juliana,
no dia seguinte, se arrepende de tudo que falou. Vai deixar uma mensagem e
quando abre a caixa, encontra vários links de músicas para ela, são de
Nicholas. Esquece tudo. Ele aparece e ela pede desculpas, só que agora está
diferente, ele quer saber mais sobre o que ela sente, como sente, e de que
forma. Juliana fica cada vez mais excitada, querendo entrar no computador ou se
pudesse trazer ele para os seus braços e acaricia suas pernas sentindo arrepios
pelo corpo e o desejo latejante em seus genitais, pedindo e implorando para
aquele desejo ser saciado.
Mas
quando ele começa a falar palavras doces, sensuais, provocando-a, como se
quisesse, a milhares de quilômetros e ao mesmo tempo tão perto, aplacar aquele
desejo, ela se retrai, sente vergonha, e sabe que não poderá continuar
escrevendo.
Nicholas
fica irritado. Diz que está cansado, que ela não sabe o que quer e por não usar
o Skype para eles falarem podendo ver um ao outro. Acabam brigando mais uma
vez.
No
dia seguinte, quando abre o note, tem uma mensagem pedindo desculpas, e uma
música que fez para ela. Juliana fica encantada com aquele carinho e fazem as
pazes.
Nicholas
está todo animado, mostrando fotografias da sua casa, próximo ao mar, disse que
comprou com a herança da avó, que é pequena, simples, mas é dele. A casa parece
um loft, um grande cômodo com quatro ambientes separados com móveis e uma peça
que ela pensou ser o banheiro. Aconchegante e tudo arrumado, ele parecia ser
meticuloso e detalhista. Juliana perguntou por que ele não gravava, não fazia
como todos os compositores. Nicholas não gostou da pergunta, a música era
especial e não venderia cópias por aí, que apresentava na praia, no calçadão,
alguns compravam e estava tudo bem.
– Parece que você não gosta de
como eu faço meu trabalho, é minha música e você poderia me ver tocar se
quisesse.
E
desliga o chat. Juliana fica furiosa, não sabe o que fazer, ele não fala, não
diz nada, não sabe o que ele sente e como vai fazer. Desespera-se e acaba
chorando. E percebe que não é mais só desejo, está envolvida, está apaixonada,
e parece que vai sufocar.
Mais
tarde, ela percebe que Nicholas voltou e vai falar com ele. Ficam discutindo,
cada um os seus motivos. Juliana diz que a culpa é dela, não devia ter se
envolvido e agora vai se buscar de volta.
– Você acha?
– Vou sim, tenho certeza. Nem conheço você.
– Chega de brigas, não quero mais brigar com
você.
– Diga o que você quer que eu escreva?
– O que sente.
– O que eu sinto? Mais... Você quer mais?
– Quero...
– E como vou ficar se te der mais? Vais levar
tudo de mim.
– Querida, como desejar alguém desta maneira
poder ser saudável?
– É saudável desejar alguém... Quem sabe ir
agora para esta casa junto ao mar e abraçar você? Ficar numa cama quentinha,
abraçados.
– Beijos molhados e carícias ardentes.
– Chega! Quem sabe um dia eu poderei saciar
esse desejo... Um dia... Talvez nem exista mais o desejo e curtir assim... Eu
aqui e você aí... Queria colocar você em meus braços e apagar todo o nosso
passado... Cobrir você de beijos e ver o sorriso em seus olhos.
– Só se você viesse me visitar, aí nós
poderíamos aplacar esse desejo.
– Eu visitar você? Você quer que eu viaje para
visitar você? Simples assim? Não vai me pedir mais nada?
– Venha... Não vou pedir nada, eu quero saciar
o seu desejo.
Ela
percebe que ele não falará, não vai falar o que ela quer ouvir, como vai largar
tudo para viver com um artista de rua em Los Angeles?
Que
mora numa casa pequena na praia... Uma linda casa na praia, longe de tudo, com
o homem que a leva a loucura sem tocá-la, que aquela dor que sente pelo corpo é
fome, fome daquele corpo, daquele homem, e sabe que não poderá mais viver sem
ele... Mas ele não fala, ele não pede. Visitar? Vou visitar e depois voltar?
Antes me afogo no Pacífico. E a decisão foi tomada... Ela corre e liga para o
escritório se demitindo, enquanto se veste para ir lá resolver as pendências e
quando retorna, faz as malas, compra uma passagem só de ida para Los Angeles...
Não vai avisar, fará uma surpresa. Tranca o apartamento, avisa o síndico que
vai viajar e não sabe quando voltará.
Chegando
ao aeroporto em cima da hora, ainda bem que fez o check-in pela internet.
Entra
no avião e se acomoda, vai desligar o celular e percebe que tem uma mensagem do
Nicolas, abre e sorri. Diz a mensagem: “Venha viver comigo... Eu amo você!”
Nell Morato
12.02.2014
Maravilhoso,envolvente sedutor!
ResponderExcluirViajamos com Juliana numa torcida alucinante por um final feliz.
Brilhante Nell!
Vou ler muitas vezes...
Suely Sette
Princesa Suely, obrigado! Foi o meu primeiro conto e estava muito insegura e num momento difícil. Abriram-se as comportas para outros e estou muito feliz. Obrigado amiga!!
ExcluirBelíssimo conto de fadas, parece mais um amor platônico mas ao final, tudo dá certo, isso foi muita sorte e muita coragem para enfrentar a impetuosidade de um amor pela internet...amei
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